Antes do advento da
internet, o modus faciendi da Ciência se caracterizava por sua natureza integrada e controlada. O
desenvolvimento de pesquisas é tradicionalmente levado a cabo em ambientes
privados (laboratórios, centros de pesquisa e universidades, etc.) e o
reconhecimento acadêmico dos eruditos obtido pela submissão aos pares por meio
das publicações científicas, revisadas por editores, gatekeepers e outros cientistas.
Francis Bacon,
fundador da ciência moderna, propôs o método de estudo das ciências naturais
que se diferenciava do esquema silogístico sugerido por Aristóteles. Para o
filósofo inglês, a descoberta de fatos verdadeiros depende da observação e
experimentação regulada pelo raciocínio indutivo.
As mudanças no
paradigma cientifico, no modo de fazer ciência no século XXI finalmente
ocorreram com a consolidação da Web 2.0. Não que pesquisas de grande vulto não
fossem levadas a cabo desde a criação da rede mundial de computadores, todavia,
a construção abordagem colaborativa e coletiva do conhecimento foi possível
graças a esse momento particular na história da internet.
No artigo ‘Science
2.0’, Ben Schneiderman
chama a estratégia de pesquisa baconiano de ciência 1.0 ou ciência tradicional.
Na tentativa de definir a ciência 2.0, contudo, não exclui as características
do modelo clássico, como descrito na citação a seguir:
As estratégias de orientação de Ciência 1.0 ainda
são necessáriass para a Ciência 2.0: teste de hipóteses, modelos preditivos, e
a necessidade de validade, generalização e replicabilidade. No entanto, os desafios da ciência
2.0 não podem ser estudadas adequadamente em condições de laboratório porque
experimentos controlados não captam o rico contexto de colaboração da Web 2.0,
onde a interação entre as variáveis prejudica a validade dos métodos
reducionistas. (2008, p. 1350) (tradução nossa).
Schneiderman (2008)
alega que os pesquisadores devem levar a colaboração em rede para a próxima
fase e colher as potenciais recompensas intelectuais e sociais. Sob essa
perspectiva, a ciência 2.0 questiona os métodos de pesquisa face à sistemas
sociais e inovação tecnológica.
Há que se considerar
a relutância dos acadêmicos em publicar seus estudos em ambientes abertos. O
modelo tradicional tem o apelo da recompensa emocional de ver seus trabalhos em
periódicos de renome. Embora a crise dos periódicos (o modelo ainda em voga
limita o número de gatekeepers[1] que avaliam documentos em periódicos
científicos e restringe o fluxo de informação) tenha impelido a publicação em
acesso aberto, o modelo tradicional ainda é bastante forte no meio acadêmico.
Apesar da sensação de
que a ciência 2.0 indica uma tendência geral para pesquisa realizada de modo
cooperativo e em rede, há pouca clareza em como isso poderia acontecer. Em
sentido mais amplo, ela compartilha das ferramentas da web 2.0, com web sites que partilham o conhecimento científico
até a escritura de artigos em linguagem não acadêmica, wikis para divulgar
dados brutos e teorias nascentes, mas o breakthough metodológico não aconteceu.
Brandon Keim (2008),
em crítica à visão de Shneiderman, afirma que “progresso não deve ser chamado
de ‘Ciência 2.0’ ou ‘Ciência 1.0’, mas simplesmente da ciência.”.
O
termo ‘e-Science’ foi concebido por John Taylor, diretor geral do
Conselho de Pesquisa do National e-Science Centre, no Reino Unido para designar
grande iniciativa de financiamento que começaria em novembro de 2000. Ele a
define mais explicitamente como: "e-Science é sobre colaboração global em áreas-chave da ciência, e da próxima
geração de infra-estrutura que irá possibilitá-la.". [tradução nossa].
A e-Science trata da pesquisa ciência realizada em
ambientes distribuídos que utiliza imenso volume de dados habilitados pela
internet. Ela faz a distribuição de tarefas por meio de várias organizações,
tem uma sobrecarga em termos de complexidade da gestão e exige implementação de
infra-estrutura global de redes de conexão e financiamento massivo e coletivo.
A rede mundial de
computadores permitiu o acesso a informações em páginas da web, em qualquer
lugar na internet. Uma infra-estrutura muito mais forte é necessária para
apoiar a e-Science. Além de informações
armazenadas em páginas web, os cientistas terão fácil acesso às caras
instalações remotas e a grandes quantidades de informação especializada
armazenados em bancos de dados dedicados.
O Grid é uma "arquitetura" proposta
a congregar todos esses recursos e tornar realidade essa visão de e-Science. Ian Foster, Kesselman
e Tuecke (2001), definem o Grid, em termos de middleware, para a viabilização
da construção de "organizações virtuais": Estas são entendidas como “coleções
dinâmicas de indivíduos, instituições e recursos” (tradução nossa). Eles vão
mais além quando argumentam que:
o problema real e
específico subjacente ao conceito de Grid é a compartilhamento recursos coordenado e a resolução de problemas em
organizações virtuais dinâmicas e multi-institucionais. O compartilhamento com
o qual estamos preocupados não é a troca primária de arquivos, mas sim o acesso
direto a computadores, softwares, dados e outros
recursos, como exigido por uma série de estratégias de solução de problemas e
corretagem de recursos emergindo na indústria, ciência e engenharia. Esse
compartilhamento é, necessariamente, altamente controlado, com provedores de
recursos e consumidores definindo de modo claro o que é compartilhado, a quem é
permitido compartilhar e as condições sob as quais a partilha ocorre. Um
conjunto de indivíduos e/ou instituições definidos por tais regras de
compartilhamento formam o que nós chamamos de organização virtual (VO) (p.2). (tradução nossa).
Exemplo conhecido de
estrutura desenvolvida para E-Science é o da física de partículas. O CERN construiu instalações de computação
adequadas no intuito de viabilizar a análise de resultados e armazenar dados
oriundos do grande colisor de hadrons (acelerador de partículas). O resultado
foi a o que a revista Science considerou como a mais importante descoberta do
ano de 2012, a existência de uma nova partícula
subatômica que se comporta como o Bóson de Higgs.
Desse modo, a e-Science se difere da Ciência 2.0. Esta faz uso
difuso de ferramentas da Web 2.0. Ela já nasce do esforço coletivo orientado
entre pesquisadores ao redor do mundo que, para tanto, levam a cabo pesquisas
de grande aporte de maneira distribuída. Esta está tecendo a infra-estrutura
para que o desenvolvimento da ciência no futuro.
Messerrschmidt aponta
o processo de conexão entre a e-Science e a preservação de dados digitais estariam baseados nos repositórios
institucionais, que proveriam o suporte para atividades de preservação e
curadoria. (2003 citado por MÁRDERO ARELLANO, 2008, p. 33).
[1] Literalmente: porteiro ou guardião. O gatekeeper é a pessoa com poder ou
a capacidade de controlar o acesso a um tomador de decisão ou a determinadas
informações.
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