segunda-feira, 10 de junho de 2013

Ciência 2.0 e E-Science: pequenas grandes diferenças

Antes do advento da internet, o modus faciendi da Ciência se caracterizava por sua natureza integrada e controlada. O desenvolvimento de pesquisas é tradicionalmente levado a cabo em ambientes privados (laboratórios, centros de pesquisa e universidades, etc.) e o reconhecimento acadêmico dos eruditos obtido pela submissão aos pares por meio das publicações científicas, revisadas por editores, gatekeepers e outros cientistas.
Francis Bacon, fundador da ciência moderna, propôs o método de estudo das ciências naturais que se diferenciava do esquema silogístico sugerido por Aristóteles. Para o filósofo inglês, a descoberta de fatos verdadeiros depende da observação e experimentação regulada pelo raciocínio indutivo.
As mudanças no paradigma cientifico, no modo de fazer ciência no século XXI finalmente ocorreram com a consolidação da Web 2.0. Não que pesquisas de grande vulto não fossem levadas a cabo desde a criação da rede mundial de computadores, todavia, a construção abordagem colaborativa e coletiva do conhecimento foi possível graças a esse momento particular na história da internet.
No artigo ‘Science 2.0’, Ben Schneiderman chama a estratégia de pesquisa baconiano de ciência 1.0 ou ciência tradicional. Na tentativa de definir a ciência 2.0, contudo, não exclui as características do modelo clássico, como descrito na citação a seguir:
As estratégias de orientação de Ciência 1.0 ainda são necessáriass para a Ciência 2.0: teste de hipóteses, modelos preditivos, e a necessidade de validade, generalização e replicabilidade. No entanto, os desafios da ciência 2.0 não podem ser estudadas adequadamente em condições de laboratório porque experimentos controlados não captam o rico contexto de colaboração da Web 2.0, onde a interação entre as variáveis ​​prejudica a validade dos métodos reducionistas. (2008, p. 1350) (tradução nossa).
Schneiderman (2008) alega que os pesquisadores devem levar a colaboração em rede para a próxima fase e colher as potenciais recompensas intelectuais e sociais. Sob essa perspectiva, a ciência 2.0 questiona os métodos de pesquisa face à sistemas sociais e inovação tecnológica.
Há que se considerar a relutância dos acadêmicos em publicar seus estudos em ambientes abertos. O modelo tradicional tem o apelo da recompensa emocional de ver seus trabalhos em periódicos de renome. Embora a crise dos periódicos (o modelo ainda em voga limita o número de gatekeepers[1] que avaliam documentos em periódicos científicos e restringe o fluxo de informação) tenha impelido a publicação em acesso aberto, o modelo tradicional ainda é bastante forte no meio acadêmico.
Apesar da sensação de que a ciência 2.0 indica uma tendência geral para pesquisa realizada de modo cooperativo e em rede, há pouca clareza em como isso poderia acontecer. Em sentido mais amplo, ela compartilha das ferramentas da web 2.0, com web sites que partilham o conhecimento científico até a escritura de artigos em linguagem não acadêmica, wikis para divulgar dados brutos e teorias nascentes, mas o breakthough metodológico não aconteceu.
Brandon Keim (2008), em crítica à visão de Shneiderman, afirma que “progresso não deve ser chamado de ‘Ciência 2.0’ ou ‘Ciência 1.0’, mas simplesmente da ciência.”.
O termo ‘e-Science’ foi concebido por John Taylor, diretor geral do Conselho de Pesquisa do National e-Science Centre, no Reino Unido para designar grande iniciativa de financiamento que começaria em novembro de 2000. Ele a define mais explicitamente como: "e-Science é sobre colaboração global em áreas-chave da ciência, e da próxima geração de infra-estrutura que irá possibilitá-la.". [tradução nossa].
e-Science trata da pesquisa ciência realizada em ambientes distribuídos que utiliza imenso volume de dados habilitados pela internet. Ela faz a distribuição de tarefas por meio de várias organizações, tem uma sobrecarga em termos de complexidade da gestão e exige implementação de infra-estrutura global de redes de conexão e financiamento massivo e coletivo.
A rede mundial de computadores permitiu o acesso a informações em páginas da web, em qualquer lugar na internet. Uma infra-estrutura muito mais forte é necessária para apoiar a e-Science. Além de informações armazenadas em páginas web, os cientistas terão fácil acesso às caras instalações remotas e a grandes quantidades de informação especializada armazenados em bancos de dados dedicados.
Grid é uma "arquitetura" proposta a congregar todos esses recursos e tornar realidade essa visão de e-Science. Ian Foster, Kesselman e Tuecke (2001), definem o Grid, em termos de middleware, para a viabilização da construção de "organizações virtuais": Estas são entendidas como “coleções dinâmicas de indivíduos, instituições e recursos” (tradução nossa). Eles vão mais além quando argumentam que:
o problema real e específico subjacente ao conceito de Grid é a compartilhamento recursos coordenado e a resolução de problemas em organizações virtuais dinâmicas e multi-institucionais. O compartilhamento com o qual estamos preocupados não é a troca primária de arquivos, mas sim o acesso direto a computadores, softwares, dados e outros recursos, como exigido por uma série de estratégias de solução de problemas e corretagem de recursos emergindo na indústria, ciência e engenharia. Esse compartilhamento é, necessariamente, altamente controlado, com provedores de recursos e consumidores definindo de modo claro o que é compartilhado, a quem é permitido compartilhar e as condições sob as quais a partilha ocorre. Um conjunto de indivíduos e/ou instituições definidos por tais regras de compartilhamento formam o que nós chamamos de organização virtual (VO) (p.2). (tradução nossa).
Exemplo conhecido de estrutura desenvolvida para E-Science é o da física de partículas. O CERN construiu instalações de computação adequadas no intuito de viabilizar a análise de resultados e armazenar dados oriundos do grande colisor de hadrons (acelerador de partículas). O resultado foi a o que a revista Science considerou como a mais importante descoberta do ano de 2012, a existência de uma nova partícula subatômica que se comporta como o Bóson de Higgs.
Desse modo, a e-Science se difere da Ciência 2.0. Esta faz uso difuso de ferramentas da Web 2.0. Ela já nasce do esforço coletivo orientado entre pesquisadores ao redor do mundo que, para tanto, levam a cabo pesquisas de grande aporte de maneira distribuída. Esta está tecendo a infra-estrutura para que o desenvolvimento da ciência no futuro.
Messerrschmidt aponta o processo de conexão entre a e-Science e a preservação de dados digitais estariam baseados nos repositórios institucionais, que proveriam o suporte para atividades de preservação e curadoria. (2003 citado por MÁRDERO ARELLANO, 2008, p. 33).


[1] Literalmente: porteiro ou guardião. O gatekeeper é a pessoa com poder ou a capacidade de controlar o acesso a um tomador de decisão ou a determinadas informações.

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